quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Era uma carta

Uma canção, quem sabe, pode ter sido uma carta de amor. Aquela que da bolsa do carteiro escorregou, no seu endereço, o envelope para lhe dar o choque, ela jamais chegou. Entretanto, um dia, um poeta numa rua deserta, amassada e aberta, a encontrou. E sentiu-se como o Romeu, daquela Julieta, quando a leu, assim que a lua, de lugar com o sol trocou, e a inspiração pulsou-lhe ao peito, de um jeito, mais que perfeito, então o sujeito a musicou. Nas ondas do rádio do seu carro, quem a escreveu e a enviou, ouvia cada frase, e se conectou. Lembrou-se da hora, do dia, da data, de sua agonia da saudade, que deu as mãos à eternidade, e não te abandonou a curiosidade, de quem lhe furtou a autoria. Numa canção, pode estar um pedido de casamento, súplicas de um perdão, o amargor do arrependimento, por não ter dito as palavras certas, num determinado momento. Canção é suspiro, alívio, mas também, uma deliciosa escravidão, para um verdadeiro missionário, um sacerdote da composição. Antes, somente poesia, solteira, virgem, querendo da melodia ser parceira, amante, a dama primeira e única, e sua eterna companheira, alma gêmea, metade, para ser totalmente, inteiramente, inteira. Canção é uma trilha, escada para as nuvens, a chave do portal, que escancara as gavetas do passado, de um conto de fadas, de uma história real. Lhe chama do céu para o chão, e te cala o dia inteiro, ou molha as fronhas do travesseiro. Uma canção, trás de volta o cheiro, o sabor dos beijos beijados, o fogo do desejo que jamais, pelo reitor do tempo, esse sentimento fora apagado. Canção, ressuscita aquela paixão, que faz você virar uma tocha humana, beber, tentando esquecer, toda semana. Acordado, mente para você, se engana, mas nos seus sonhos, sonhados, o desejado sempre chama. Canções, nos fazem cineastas amadores, elas são aspirinas nas esquinas dos ouvidos, quando a emoção nos visita, trás na mala, um mundo de sentidos. Canções, nos ligam a amigos, a uma dança que deixou seu coração partido, aos tempos de criança, a um amor proibido. Fazem pêlos de alguém, ou de ambos, ou de uma platéia, se arrepiarem, com uma ideia. Põe lamparinas no olhar, e parados, a mente voa, em uma odisseia. Canção é ouro, abstrato, não para numa bateia. Uma canção ilumina um quarto escuro, desenha estrelas no teto, demolindo a casa do orgulho, cada parede, cada muro. Canção é coisa que alerta, o que está quebrado, em concerto, ela conserta. Te acorda, da corda, se enforca, te faz sair debaixo das cobertas, é métrica, ritmo, letra e interpretação. Cada voz é como um espírito, em busca de uma nova encarnação, é coisa que a gente se apega, e que ninguém pega com as mãos. É coisa de Deus canção. A gente se vê! Davi Salles.

  O CANTADOR DOS COSTUMES Davi Salles Dorival Caymmi, cantor, compositor brasileiro Da voz grave de veludo Cantou o amor, os mistérios do m...